“Uma organização sem ética tem vida curta”

Especialista em programas de Compliance, o advogado e auditor  José Guimarães fala dos desafios e benefícios do combate à corrupção nas organizações.  

Era 16 de novembro de 2014 quando a Operação Lava Jato se iniciou, com a prisão do principal executivo do Grupo UTC, , Vinte dias depois, José Guimarães visitava-o na prisão, em Curitiba. Sua missão: liderar aquilo que era uma das condições das autoridades  para o acordo de delação premiada com o executivo, a implementação de um programa de Compliance, Governança e Riscos muito forte no Grupo UTC. Advogado com longa experiência como processualista civil, José Guimarães não apenas cumpriu sua missão – implementando o programa e validando-o junto à Controladoria Geral da União e à Petrobras – como se tornou referência no assunto.

Em seu currículo, há certificações internacionais, como a de auditor líder nas normas ISO 37001 (Sistema de Gestão Anticorrupção) e 19.600 (Sistema de Gestão em Compliance) pela World Compliance Association. Hoje, é coordenador da Pós-Graduação em Compliance da Faculdade Baiana de Direito e dá consultoria e auditoria a organizações e empresas como a Qualidados na implantação e auditoria de programas na área. Nesta entrevista, ele contou para a Qualinews como a ética e o combate à fraude e à corrupção podem não apenas mitigar riscos para as finanças e a imagem da empresa como  contribuir até para a sua produtividade. Confira:

O que significa Compliance?

A palavra compliance vem do inglês to comply que significa “estar de acordo com”, cumprir.  Na minha visão, Programa de Complianxce significa estar de acordo com a lei, a ética e a integridade, com a finalidade de prevenir, detectar e punir atos antiéticos, ilegais, que podem comprometer a gestão, as finanças, a imagem e principalmente colocar em risco a reputação e a existência da organização,  contribuindo para gerar uma vida longa, profícua e próspera para as organizações, mitigando riscos a médio e longo prazo.

Por que é importante promover ética nas organizações?

Uma organização que não tem valor, ética e integridade tem vida curta e pode ruir a qualquer momento. O grupo UTC, por exemplo, era um grande grupo, porem, com o impacto reputacional ficou muito reduzido, e esta hoje em recuperação judicial.   A corrupção é hoje um dos maiores riscos a que uma empresa está sujeita, principalmente após o advento da Lei Anticorrupção e neste momento novo  no Brasil de absoluta  intolerância em relação à corrupção.

Compliance é também um bom investimento. Estudos demonstram que 5% do faturamento  bruto de qualquer instituição se perdem na aplicabilidade de normas, falta de políticas e procedimentos adequados, utilização equivocada do próprio ferramental e também conflito de interesses, vantagens indevidas, fraude e corrupção. O Compliance preserva os diretores e acionistas de riscos, inclusive de responsabilização penal e das multas da Lei Anticorrupção que variam de O,1% a 20% do faturamento bruto mensal, além de valorizar a imagem, a marca e a historia da empresa publica ou privada.

E como todos estes objetivos podem ser alcançados?

O primeiro requisito é o apoio irrestrito da alta administração.  O segundo é a análise de riscos.  Na sequência, construímos, juntamente com a organização, um bom código de ética. Associado a este documento, desenvolvemos políticas, procedimentos e registros aderentes, conectados e auditáveis. Também desenvolvemos um plano de comunicação e um treinamento muito forte e bem estruturado, com atividades que mobilizam 100% da organização. Em seguida, implementamos um canal de denúncia externo, autônomo, anônimo e independente que funciona como canal de ética.

Todos estes itens compõem o primeiro dos três pilares do Programa de Compliance,  voltado para a prevenção. O segundo é o pilar da identificação, também chamado de pilar da auditoria, investigação ou detecção. É quando criamos a equipe com investigadores e auditores e estabelecemos a rotina de identificação e conclusão das investigações. Já o terceiro e último pilar é o da resposta ou punição, voltado para a aplicação das medidas punitivas decorrentes das investigações. Ele é concluído com a realização, em caráter confidencial, de um julgamento de um comitê autônomo e independente chamado comitê de ética. Ao final do processo, a própria empresa passa a gerir o seu Sistema de Gestão de Compliance, que poderá ser auditado e certificado.

Uma estratégia dessas não pode afetar a ambiência da empresa, gerando um clima de tensão e desconfiança?

Pelo contrário. Quanto mais você previne, melhor você detecta e mais equilibradamente você pune, e quanto mais você pune com autoridade e equilíbrio, mais você alimenta a prevenção, gerando um ambiente de transparência. Em uma implantação bem feita, há uma investigação cuidadosa, sigilosa, silenciosa e um julgamento adequado, sob o manto da confidencialidade, que dá inclusive oportunidade para que o colaborador se torne um profissional melhor.  Investigação após investigação, a iniciativa ganha credibilidade e gera-se um ambiente que valoriza a responsabilidade e a honestidade. Estudos demonstram, inclusive, que este movimento pode resultar em melhoria da produtividade, porque o colaborador trabalha com mais alegria, satisfação, transparência, valorização, dignidade e responsabilidade.  O ambiente ético atrai talentos, gera ótima convivência e prosperidade,  e’ uma questão sociológica.